Lembro de em criança ter lido o livro
“Alice do outro lado do Espelho”, de Lewis Carroll.
Uma das personagens que me inquietava
era o Humpty Dumpty. Um ovo antropomórfico e um ser extremamente orgulho e
pedante, que passava toda a sua vida em cima de um muro.
Recordo o encontro de Alice com
Humpty Dumpty e parte do diálogo:
““Por que fica sentado aqui sozinho?”
disse Alice, não querendo iniciar uma discussão. “Ora, porque não há ninguém
aqui comigo!” exclamou Humpty Dumpty. “Pensou que não teria resposta para isso?
Pergunte outra.”
“Não acha que ficaria
mais seguro no chão?” Alice continuou, não com qualquer ideia de propor um
outro enigma, mas movida pela simples ansiedade benévola que a estranha
criatura despertava nela. “Esse muro é tão estreitinho!” “Que enigmas
absurdamente fáceis você propõe!” Humpty Dumpty resmungou. “Claro que não acho!
Se por acaso eu caísse — o que não tem a menor chance de acontecer — mas se eu
caísse…”. Aqui franziu os lábios e pareceu tão solene e majestático que Alice
mal pôde conter o riso. “Se eu caísse”, continuou, “o Rei me prometeu… ah, pode
empalidecer, se quiser! Não esperava que eu fosse dizer isto, esperava? O Rei
me prometeu… da sua própria boca… que… que…””
Este livro, apesar de ser
considerado infantil, podemos retirar muitas e valiosas lições, que só em
adulto é que fazem sentido. Por isso, decidi voltar a ler este livro.
De novo, voltei a inquietar-me com a personagem Humpty
Dumpty. De facto, hoje em dia, vemos muitos Humpty Dumpties. São pessoas que
caminham e vivem toda a sua vida em cima de muros. Pessoas sem convicções, sem
personalidade e, atrevo-me até a dizer, sem valores.
Quem vive em cima de um
muro, não quer tomar decisões e, por isso, nunca saberá o que é assumir
responsabilidades. São pessoas sem forma ou que assumem qualquer forma,
dependendo de quem lhes poderá garantir algum favorecimento.
Tão logo aquela pessoa
que está no poder deixe o estar, os Humpty Dumpties desta vida se viram para o
outro lado do muro, onde está alguém que lhe poderá favorecer de alguma forma.
Essas pessoas não são
respeitadas por ninguém. Ambos os lados do muro menosprezam essas pessoas, pois
sabem que facilmente viram para o lado que mais lhe convier. E, se um dos lados
do muro não tiver qualquer escrúpulo, irá usar este Humpty Dumpty mediante os
seus interesses e, quando este não mais tiver serventia, é pura e simplesmente
descartado. O que não deixa de ser, de certa forma, justo, pois quem não tem
personalidade, não merece ser respeitado.
Hoje, constato com alguma
tristeza que muita gente sofre desta síndrome. Que prefere caminhar inseguro,
em cima de um muro, do que dar o “corpo às balas” e correr alguns riscos.
Ter personalidade é uma
atividade de risco. Mas, no fim do dia, quem a tem, deita a cabeça na almofada
e dorme tranquilamente, pois é fiel aos seus princípios!